quinta-feira, 28 de abril de 2016

A mortalidade dos imortais




Praticamente todos os dias, passo pela calçada da Academia Brasileira de Letras, no Centro do Rio de Janeiro. Lá tremula bandeira branca com letras verdes na qual se lê, em latim: "Ad immortalitatem". Pessoalmente, sempre achei ridícula essa pretensão à imortalidade de nossos intelectuais. Considero esse querer não morrer uma declaração de mediocridade, pois só o medíocre precisa viver sob a ilusão de que será um dia o que jamais foi. A imortalidade, nas Letras, ainda não parece ter chegado às terras tupiniquins. Talvez somente Machado fique para a posteridade, e não Scliares ou Lêdos Ivos. Comparados a Dante, Homero e Goethe, esses sujeitos que hoje tomam o seu chá na Presidente Wilson estão como pulgas para um cachorro.

Levada ao mundo ludopédico, a imortalidade foi adotada como moto de um certo clube provinciano gaúcho, clube medíocre por natureza, portanto afeto à aspiração metafórica de ser algo maior do que é na efetiva realidade. Por mais que percam, por mais que não evoluam nas competições de que são partícipes, os torcedores, dirigentes e jogadores do citado clube insistem, para o enfado de quem goza de algum discernimento, na tese de berrar aos quatro ventos que jamais morrerão. Ora, ninguém jamais esteve pregando a morte desses senhores: o que se quer, como adversário ou apreciador de futebol, é que voltem ao mundo dos vivos, no bom sentido, e que abandonem a fantasia triste de serem atropelados, entra ano e sai ano, pelas circunstâncias e pela escassez de títulos e, não obstante, julgarem tais circunstâncias apenas um estorvo no caminho perene e garantido da imortalidade de que se julgam, digamos, exclusivos proprietários.

Ontem, por absoluta curiosidade, postei-me diante do televisor, a fim de assistir como se comportariam esses deuses imortais do futebol, com seus pijamas listrados, diante dos humanos áureo-cerúleos de Rosario. Vi, mais uma vez, o vexame de não ganhar simples jôgo em casa. Isso tudo, diante de uma quase que total ausência dos imortais torcedores, que, talvez, tenham subido aos céus para comemorar algum título etéreo, com troféus de matéria cósmica e faixas espirituais, escusando-se, então, de estarem presentes em ambiente tão mundano quanto o de um estádio.

Os imortais da Academia, ainda que medíocres, ficam, ao menos, na memória de quem lhes quer ou quis bem. Já os imortais do futebol, estes, apesar de medíocres, não conseguem jamais estabelecer-se na memória afetiva de ninguém, nem mesmo de quem os aprecia, pois sua imortalidade é blefe, algo que sempre renasce, mesmo quando estão bem mortinhos, escravizada pela baixeza que habita o coração e a mente de seus detentores.

Quinzeanossemtítulosmente, 
Dom Ciffero

terça-feira, 19 de abril de 2016

O voto dos filisteus


O gaúcho taura já sabe do que se trata quando o negócio é o voto de seus conterrâneos no Senado. Daquela Casa, hoje, nada sai que não esteja referendado pelo patrão das margens do Dilúvio, exceto quando se trata de Paim.


Será triste ver o demagogo Lasier Pederneiras Barriodelsky trair as origens trabalhistas do PDT de Brizola, entregando seu voto às conveniências do todo poderoso Ar do Cu, o político que mais fede na atual conjuntura, e que, volatilmente, mantém-se vivo por todas as reentrâncias do Congresso.


Serão necessários 54 dos 81 votos no Senado, para, no pós-governo do Mordomo, a democracia e o Estado Democrático de Direito prevalecerem. De Ana Amélia e de seu companheiro gaúcho de Senado já conhecemos o caráter e a hombridade,  assim como conhecemos o nariz de um certo dançarino amigo, mineiro do Leblon.


Será necessário, talvez, um novo choque de bagos, para que Lasier passe a ser o que nunca foi: um discípulo do trabalhismo, e não um lacaio do filistinismo. 



Será necessário, talvez, na hora da votação, substituir a Senadora de brancos e sedosos cabelos, carente de neurônios, pela inteligência superior de sua gigantesca títere.

sexta-feira, 15 de abril de 2016

O melancólico setor ofensivo do Internacional


Não há nada pior do que um time que joga por abdicar do momento culminante do futebol. Lembro-me que Carlos Alberto Parreira é o autor, ou não, da famosa frase: "O gol é só um detalhe". (Disse "ou não", na frase anterior, porque, como sabemos, Parreira plagiou textos de um autor inglês para difundir "seu" pensamento futebolístico. Sendo assim, tudo que vem de sua boca, está, para mim, fadado à desconfiança.) Mas, voltando ao ataque do Internacional, o que sinto, diante do que vejo, é mesmo um profundo sentimento de melancolia. Como sentir outra coisa diante do quarteto que nos é apresentado? São jogadores jovens, ainda, é verdade. Talvez até promissores. Porém, insisto: não estão qualificados para a titularidade, com exceção de Mortinho, quando inspirado. Sendo assim, parece-me que passaremos por mais um Campeonato com a síndrome do compasso de espera. O time não será agudo. Ao contrário, jogará na espera do erro adversário, pois não conta com um "matador", com alguém que tenha a alma de um Dario, Flávio Minuano ou Bira Burro. No atual contexto, até um Scocco me serviria, Rentería seria rei e Oséias majestade...

 


Nylon - Surgiu por geração espontânea no território gaúcho, com nome umbilicalmente ligado ao métier principal do jôgo, qual seja, o de ser composto da mesma matéria de que é feito, hoje, o barbante de outrora. O nylon, que se estufa à marcação de um gôlo, é a matéria que compõe as redes das cidadelas ludopédicas e o primeiro nome de nosso craque. Nessa toada, nosso center-forward foi bem e predestinadamente batizado. Resta apenas afeiçoar-se mais a converter gôlos, a fim de integrar-se cada vez mais à matéria-irmã que lhe deu forma, buscando a pelota junto a ela em todos os jogos. Caso consiga atingir a média de um gôlo por jôgo, subirá no conceito do torcedor colorado e passará, além disso, de guri a homem.

 


Bruno Baio - Como o nome indica, é mitologicamente atrelado a uma raça equina e nobre, seja pela altura, seja pela tonalidade da pele. Futebolisticamente, contudo, ainda está em fase de maturação, sendo preciso, portanto, ao torcedor, o cultivo da paciência. Vem sendo muito pouco aproveitado e, ao que parece, é visto como uma espécie de salvador da pátria que só entra em campo quando já atingimos o estado de chuveirinho eterno. Pela inépcia dos laterais, tem, portanto, ficado à míngua e, salvo engano, ainda não marcou com a camisa colorada.




Sasha - É a epítome da mediania. Tem altura média e joga um futebol médio. O fato de vestir a camisa 9 parece-me ser indicativo de maldade da Direção ou do treinador, pois a história de tal camisa no clube é por demais pesada para um jovem como Sasha. Contudo, o que de fato mais incomoda é sua estatura, de todo incompatível com a mítica que acompanha o número. Inevitável não lembrar, neste momento, de Fernandão. Sasha, enfim, deveria escolher jogar com o 19 ou coisa que o valha.

 


Mortinho - Quando está a fim de jôgo, é um jogador promissor. Conta com um belo chute de média distância, mas ainda necessita aprender a não transformar em tiro livre ao gôlo bolas que possam ser passadas a colegas mais bem colocados. De fato, não lhe fica mal a Camisa 11, sendo apenas necessário ao clube encontrar um 9 que lhe sirva de companhia ou referência. Precisa abandonar o pagode e comer mais churrascos na região da Campanha, para, com isso, melhor adaptar-se à sede do clube que lhe paga os salários. Além disso, não precisa sorrir desse jeito matreiro ao posar para fotografias institucionais.

segunda-feira, 11 de abril de 2016

Os meio-campistas do Clube do Pôvo

Aproximo-me do final da jornada de reconhecimento do elenco côlorado (observem o cacófato). São 36 jogadores presentes na listagem do clube, mais um, Seijos, que ainda não consta da lista, apesar de efetivamente contratado. Desses 37, não há sequer cinco jogadores que façam jus a vestir o uniforme titular do Internacional. Ainda assim, por insistência, e por devoção ao Clube do Pôvo, não me abstenho de trabalhar abnegadamente pela camisa que tantas alegrias já me trouxe. Prossigo, destarte, nesta inglória tarefa de mapeamento do vestiário alvi-rubro no pré-Brasileiro 2016. Enquanto isso, os blôgos comuns dedicam-se ao Gauchão.

Alex - Como a prefixação (a-lex) do nome indica, é jogador sem lei, ilegal, ilegítimo, indigno da camisa vermelha desde que renovou o contrato por valor considerado, por ele, baixo. Desde então, entrou em modo showball e faz todas as jogadas em câmera lenta, com pausa para o fotógrafo mais indolente retratá-lo mesmo sem o uso da velocidade correta. Está pronto para fazer carreira no Paraná Clube, ao lado de Nei e outros passageiros da agonia.



Alisson Farias - Despontou em 2015 e, em 2016, tenta mostrar a que veio. Sinceramente, ainda não me convenceu como jogador para o além-banco, isto é, está restrito ao Hades da casamata, de onde só deverá sair em caso de emergência. Contudo, se mostrar evolução, bastará dizer uma palavra e será por mim salvo.



Andersonso ou Sonso - É um jogador incompleto, pródigo em ludibriar mentes afetas ao misticismo e à enganação. Depois de salvar o cocô-irmão do terceiro rebaixamento, virou uma espécie de talismã da equipe bi-rebaixada. Incrivelmente, após uma temporada desastrosa pelo Manchester, onde comunicava-se por mimica, foi contratado pela Direção Colorada por salário altíssimo e sob o pretexto de ser jogador para ajeitar o meio de campo de uma equipe em frangalhos. Até o momento, mostrou muito pouco futebol e sequer poderia figurar como reserva de um time decente. Contudo, forças ocultas o colocam entre os titulares e, mais, entre os grandes jogadores do clube para este Brasileiro.



Andrigo - Parece ter alguma habilidade, mas a amostra ainda é pequena para a emissão de um juízo certeiro. Tanto poderá tornar-se um razoável meio-campista quanto um cabeça-de-bagre pronto para engrossar a sopa de um clube interiorano qualquer. Se o técnico fosse Falcão, certamente o jogador aprenderia alguns macetes da profissão. Sendo, contudo, Argel o comandante, é provável que se convença de que é preciso jogar, primeiro, como um volante grosso e, depois, como alguém que sabe tratar a pelota com o carinho de um Carpegiani.



Gustavo Ferrareis - Mais um jogador inexpressivo até o momento, porém com nome e sobrenome, o que é uma informação importante para quem preza diferençar uma geração de outra. Esclareço: antigamente os jogadores tinham apenas um nome, e não raro, apenas um apelido, muitas vezes infantil, como demonstra Wisnik em seu belo livro sobre futebol (Senão vejamos: Dadá, Dedé, Didi, Dodô, Dudu), e, não obstante, jogavam muito. Hoje, todos têm nome e sobrenome, mas não jogam nada. 



Gustavo Ramos - Jamais vi Gustavo Ramos jogar. Por isso, abstenho-me de opinar sobre seu futebol. Sei que o sobrenome é usado para evitar a confusão com G. Ferrareis. Em outros tempos, como disse, teria provavelmente o apelido ridículo de Gugu, mas saberia jogar. 



Marquinhos - É jogador experiente e com algum talento, aceitável para compor o banco, mas não mais do que isso. De fato, verdade seja dita, vem atuando pouco e é banco, mas o é apenas porque o treinador tem convicções próprias que talvez não sejam as mais convenientes quando se trata de futebol, ou seja: diante das nabas que têm jogado, talvez Marquinhos devesse ser titular.




Seijos - Tenho vaga lembrança de Seijos no time de trogloditas do Santa Fé, mas percebi que se trata de um jogador diferenciado, até mesmo por ser venezuelano. Ora, o fato de saber jogar na terra de Chávez, Chávez, Chávez é digno de nota. Acredito que, com sua experiência (tem 29 anos) e seu caráter (pelo que se lê no noticiário é um jogador de personalidade evoluída, muito além do caráter simiesco e circense de boa parte de nossos craques) virá a compor um bom meio de campo com algum dos nossos atuais atletas do setor. Caberá ao técnico saber destacar o melhor acompanhamento para Seijos, tal qual um chef escolhe um bom acompanhamento para um corte nobre. Por fim, cabe ressaltar que Seijos veste a camisa 10 do escrete venezuelano e não é Vampiro. 




Valdívia ou Wanderson - É difícil a escolha do melhor nome de guerra no caso em pauta. A opção pelo codinome chileno é marca da falta de referência de toda uma geração brasileira, carente de ídolos dignos de imitação. Isso para não falar das sandices dignas de um chimpanzé que a publicidade e a propaganda vêm implantando em seu (de Valdívia) cérebro. Wanderson tem alguns arroubos de jogador, mas, em geral, ainda tropeça na bola ao conduzi-la e tem o péssimo hábito de jogar de cabeça baixa. É o que eu sempre digo: esses meninos precisavam assistir uns tapes de Falcão jogando bola: ele só abaixava a cabeça quando, porventura, tinha de apanhar o balão no chão, com as mãos, para cobrar uma falta. Em resumo: Valdívia é um banco melhorado, quase pronto para jogar 45 minutos em jôgo importante.



Yan Petter - Não fosse pelo nome esdrúxulo, somente o corte de cabelo já seria motivo para demissão por justa causa e empréstimo imediato a um Juventude ou Brasil de Pelotas. Tanto em Caxias quanto em Pelotas aprenderia, com o frio, ou a jogar e deixar o cabelo crescer para proteger-se, no melhor estilo Valderrama (conquistando, assim, minha admiração) ou, então, raspá-lo-ia e adotaria a lógica gaudéria (observem o cacófato) de atuar de cabelo curtíssimo e como macho, isto é, sem ligar para a estética de salão de beleza da periferia da qual está, hoje, investido.

quinta-feira, 7 de abril de 2016

Adeus à prosódia




O título deste artigo era mais longo (Adeus à prosódia: uma análise da leitura do relatório do Deputado Jovair Arantes), mas plataformas como o blogger não são muito, digamos, "amistosas", quando tentamos ampliar um título ao extremo.

Para além do mérito do relatório, sobre o qual não me pronunciariei por ora, causou-me espécie o modo pelo qual foi lido. Tínhamos, ao microfone, moderna versão do púlpito de outrora, um Deputado Federal. Em geral, o que se espera de alguém que atua em esfera federal em nível tão elevado, é de que seja minimamente alfabetizado. Contudo, o que vimos na leitura do Sr. Jovair foi uma demonstração cabal da falta de conhecimento da língua portuguesa, mormente da pausa, da acentuação, do ritmo da frase, da prosódia em sentido amplo. Poder-se-ia dizer que sua leitura está no nível de um leitor de terceria ou quarta série do primário: cheia de vacilações, pausas indevidas, cavalgamentos, desrespeito à sintaxe, enfim, um lixo do ponto de vista estético e, pior, do pensamento.

Jovair (que nome é esse, meu Deus?) lia como se não houvesse vírgulas ou pontos. Emendava uma frase com outra como se fossem ambas a mesma coisa. A compreensão, para quem estava do lado de cá do plenário, era mínima. É claro que sempre haverá alguém para dizer que pior teria sido a leitura de um Tiririca, mas essa espécie de argumento é desprezível por si só, pois, em última análise, contenta-se com a mediocridade e é conivente com ela.

Talvez como orador, sem o texto escrito, Jovair saia-se melhor, mas eu duvido. Seria uma exceção à regra, que é a seguinte: se você não sabe ler, não saberá juntar períodos, frases, e deles fazer uma unidade de sentido também no campo da oralidade. Seu texto falado ou escrito, e por extensão, seu mundo mental será caótico, e é realmente o quadro da dor expor-se à leitura em voz alta em tais circunstâncias.

Importante ressaltar que li algumas páginas do relatório, aleatoriamente, e percebi que está bem escrito do ponto de vista da sintaxe e do ritmo da frase, o que só corrobora a idéia de que um porco nada sabe fazer com pérolas.

Prosodicamente,
Dom Ciffero Barbosa

terça-feira, 5 de abril de 2016

Filisteus e filisteísmo (Nabokov)

O texto abaixo, apresentado em excertos, é uma tradução de Dom Ciffero para um opúsculo de Vladimir Nabokov, intitulado Philistines and Philistinism. Fica meu tributo ao autor de Lolita.



O filisteu é a pessoa adulta cujos interesses são de natureza material e comum, e cuja mentalidade é formada por idéias ordinárias e por ideais convencionais de seu grupo e tempo. Disse "pessoa adulta" porque a criança ou o adolescente que lembre um filisteu nada mais é do que um papagaio imitando as formas consagradas das pessoas vulgares [...]. "Vulgar" é termo mais ou menos sinônimo de "filisteu": o que é relevante em uma pessoa vulgar não é tanto o convencionalismo de um filisteu, mas a vulgaridade de algumas de suas noções convencionais. Posso também utilizar os termos “cavalheiresco” e “burguês”. Ser cavalheiresco implica uma vulgaridade refinada, que é pior do que a simples grosseria. Arrotar diante de outra pessoa é atitude rude, mas dizer "desculpe-me" depois de arrotar é atitude cavalheiresca e, portanto, pior do que a de uma pessoa vulgar. O termo burguês é usado segundo Flaubert, e não Marx. Burguês, no sentido de Flaubert, é um estado de espírito, não relacionado ao bolso. O burguês é um filisteu presunçoso, uma pessoa vulgar com presunção de dignidade.


Não é provável que o filisteu exista em uma sociedade muito primitiva, embora não haja dúvida de que rudimentos de filisteísmo possam ser encontrados lá. Podemos imaginar, por exemplo, um canibal que prefira que a cabeça humana que ele esteja por comer seja pintada artisticamente, assim como o filisteu norte-americano prefere que suas laranjas sejam pintadas de laranja, o salmão de rosa e o uísque de amarelo. Mas, em termos gerais, o filisteísmo pressupõe um certo estado avançado da civilização, onde, ao longo do tempo, certas tradições tenham se amontoado e já começado a feder.


O filisteísmo é internacional. Pode ser encontrado em todas as nações e em todas as classes. Um duque Inglês pode ter tanto de um filisteu quanto um maçom norte-americano, um burocrata francês ou um cidadão soviético. A mentalidade de um Lênin ou de um Stálin ou de um Hitler, no que diz respeito às artes e as ciências, era totalmente burguesa. Um trabalhador ou um mineiro de carvão pode ser tão burguês quanto um banqueiro ou uma dona de casa ou uma estrela de Hollywood.


O filisteísmo implica não apenas um acúmulo de idéias ordinárias, mas também o uso de frases feitas, clichês e banalidades expressas em palavras batidas. O verdadeiro filisteu não dispõe de nada além dessas idéias triviais, das quais ele é inteiramente formado. Mas deve-se admitir que todos nós temos nosso lado clichê; todos nós, na vida cotidiana, muitas vezes usamos palavras não como palavras, mas como sinais, como moedas, como fórmulas. Isso não quer dizer que sejamos todos filisteus, mas que devemos ter cuidado para não nos permitirmos adentrar muito no processo automático de troca de platitudes. Em um dia quente quase todos, nos Estados Unidos, perguntam: “Esse calor está bom para você ou ainda quer mais ?”, mas isso não indica necessariamente que o falante seja um filisteu. Pode ser simplesmente um papagaio ou um estrangeiro que tenha aprendido a usar a expressão em causa. Quando alguém lhe pergunta: "Olá, como vai?" talvez seja um clichê miserável responder "bem"; mas se você fizer um relatório pormenorizado de sua condição poderá passar por pedante e chato. Acontece também de as platitudes serem utilizadas como uma espécie de disfarce ou como o atalho mais curto para evitar conversa com pessoas tolas. Eu mesmo  conheci grandes estudiosos e poetas e cientistas que, na lanchonete, caiam no nível mais comum da conversa toma-lá-e-dá-cá.


O tipo que eu tenho em mente quando falo em alguém "vulgar e presunçoso" é, assim, digamos, não o filisteu de meio turno, mas o burguês cavalheiresco de turno integral, o produto universal completo da trivialidade e da mediocridade. É o conformista, o homem que está de acordo com o seu grupo e que se caracteriza também por algo mais: é pseudo-idealista, pseudo-compassivo, pseudo-sábio. A fraude é a aliada mais íntima do filisteu. Todas aquelas grandes palavras como "Beleza", "Amor", "Natureza", "Verdade" etc. tornam-se máscaras e embustes quando um sujeito vulgar e presunçoso as emprega. Em Almas Mortas você ouviu Chichikov. Em A Casa Abandonada, Skimpole. Você ouviu Homais em Madame Bovary. O filisteu gosta de impressionar e gosta de impressionar-se. Consequentemente, um mundo de enganos, de fraude mútua, é formado por ele e ao redor dele.


O filisteu, em seu desejo apaixonado de conformar-se a um grupo, de pertencer a ele, de integrar-se, fica dividido entre dois desejos: agir como todo mundo, admirar-se com algo, usar esta ou aquela coisa porque milhões de pessoas usam; ou, então, ansiar por pertencer a um grupo exclusivo, a uma organização, a um clube, a um hotel ou a uma comunidade de transatlântico (com um capitão vestindo branco e uma comida maravilhosa), e deliciar-se com o fato de um grande executivo ou um conde europeu estar sentado a seu lado. O filisteu muitas vezes é esnobe. Ele se entusiasma com a riqueza e com a posição social: "Querida, eu acabei de falar com uma duquesa!"


O filisteu não conhece e nem se importa com nada de arte, incluindo a literatura – a sua natureza essencial é anti-artística [...]. O filisteu não distingue um escritor de outro; na verdade, ele lê pouco e apenas o que pode ser útil para ele, mas pode entrar para um clube do livro e escolher livros bonitos [...].


Em seu amor pelo útil, pelos bens materiais da vida, torna-se uma vítima fácil da publicidade/propaganda. Os anúncios podem ser muito bons – alguns deles muito artísticos – mas não é essa a questão. A questão é que eles tendem a ser um apelo ao orgulho que o filisteu tem de possuir coisas, sejam talheres ou roupas íntimas. Refiro-me ao seguinte tipo de anúncio: acaba de ser apresentado para a família um aparelho de som ou uma televisão (ou um carro, ou uma geladeira, ou talheres de prata –  qualquer coisa serve). Ele acaba de ser apresentado à família: Mamãe esfrega as mãos de prazer, as crianças aglomeram-se em torno dele, extasiadas; Júnior e o cão correm até a borda da mesa on de o ídolo está entronizado; até mesmo a vovó de rugas radiantes espreita de longe; e um pouco além, com os polegares alegremente enfiados na parte superior de seu colete, surge o pai triunfante, o benfeitor orgulhoso.


O filisteísmo rico que emana dos anúncios não é devido à exagerada (ou inventada) glória deste ou daquele item ou artigo, mas à sugestão de que o auge da felicidade humana é comprável e que a compra, de alguma forma, enobrece o comprador [...].

domingo, 3 de abril de 2016

Volantes encarnados

Dando seqüência ao périplo analisador, Dom Ciffero ignora totalmente a recém-conquistada classificação para as oitavas-de-final do Gauchão e parte para a apresentação dos volantes do Colorado. Fotos, como sempre, provêm do sítio do clube.




Bertotto: impressionou alguns incautos no início da carreira, mas não a Dom Ciffero, que lhe pespegou a alcunha de Bentorto, com base nos passes do jogador, e não em seu corte de cabelo. É uma alternativa razoável, contudo, em jogos menos importantes, nos quais poderá, quem sabe, começar a desenvolver seu futebol. 




Fabinho: apesar do codinome no diminutivo, é jogador experiente, versado em clubes de expressão, como o Figueirense, inúmeras vezes campeão catarinense. Vem demonstrando empenho e até ânimo para jogar na lateral direita. Por isso, merece o voto de confiança de Dom Ciffero para tornar-se o novo Valdir.




Fernando Bob: talvez pela face canídea tenha recebido o epíteto em epígrafe, aplicado a muitos cachorros dos anos 70. É jogador voluntarioso, às vezes maldoso, que, não obstante, caiu no gôsto da torcida colorada. Urge acertar seu futebol com o de Dourado, para que ambos possam atuar bem dentro das quatro linhas.




Jair: tem nome de craque colorado de outrora, mas, por jogar como volante, é provável que não tenha a mesma habilidade do indigitado craque. É jogador para compor o grupo e já apresenta bom corte de cabelo.




Nilton: reconhecido por seu futebol no Cruzeiro e em outros clubes do País, ganhou fama, mais recentemente, com o caso de doping, pelo qual pegou gancho de alguns meses. Ora, se faz uso de substâncias ilícitas, é um inovador, um homem em busca da quebra das portas da percepção, que, por isso, merece um voto de confiança clínico de todo colorado.




Rodrigo "Steve Winwood" Dourado: é um craque no melhor sentido do termo, seja em campo, seja nos teclados. Alguns chegam a compará-lo a Falcão, mas se trata de um exagero, pois o Bola-Bola jogava em uma época em que os volantes sabiam jogar. Winwood criou-se em ambiente diferente, no qual se espera do volante apenas um bom desarme e entrega imediata da bola ao armador. Ainda assim, vai além da média e honra a cidade de Pelotas diante do mundo.




Silva: está um pouco acima do peso e em busca de reabilitação no spa colorado da Padre Cacique. Tão logo perca gordura e ganhe massa muscular, será analisado em detalhe por Dom Ciffero, que, por questão de justiça, exime-se de fazê-lo neste momento.